sexta-feira, 16 de julho de 2010

A Farsa do IDEB

No dia 1º de julho último, o Ministério da Educação e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) divulgaram o resultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) 2009. O resultado, festejado pelo governo federal, veio a público logo em seguida o anúncio de corte de 1,2 bilhão de reais do orçamento do Ministério da Educação para o ano de 2010 o que, somado ao primeiro contingenciamento já efetuado no princípio do ano, já significa uma subtração de R$ 2,34 bilhões dos já parcos recursos disponibilizados para o MEC no ano corrente.

Fernando Haddad, o ministro mentiroso, já correu aos monopólios de imprensa para dizer que isso “em nada afetará” o quadro –já crônico- do ensino público no Brasil. O que torna tudo isso ainda mais monstruoso é o fato, apontado pelo MEPR em recente artigo, de no final do ano passado o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ter liberado uma linha de crédito (com juros inferiores ao do mercado) para as universidades privadas no valor de R$ 1 bilhão, ou seja, concedeu ao ensino superior privado o equivalente do que subtraiu, pouco meses depois, do orçamento da pasta da Educação. O argumento do governo Banco Mundial/Lula, endossado pelo BNDES, foi o mesmo que o utilizado por esse banco estatal para doar dinheiro público aos gigantes do capital monopolista internacional para que possam sem riscos dilapidar as riquezas do nosso país: o combate à “crise econômica”.
IDEB: A estatística como instrumento de falsificação da realidade:

No_ndice_de_Desenvolvimento_da_Educao_divulgado_pelaUNESCO_em_2009_Brasil_esta_atras_de_todos_seus_vizinhos_sul-americanos O IDEB foi criado pelo INEP (órgão vinculado ao MEC) em 2007, como um indicador que pudesse medir a qualidade do ensino público e privado. Segundo disponibilizado na página do INEP, “o indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep, o Saeb e a Prova Brasil”. O índice, que vai de uma escala de 0 a 10, passou a ser contabilizado em 2005. O objetivo do MEC é que, em 2022, o ensino brasileiro alcance a meta seis. No ano de 2009 o índice registrado foi de 4,6; 4 e finais, respectivamente. Este foi, acreditem, o resultado comemorado!

Não obstante, a divulgação de números quantitativos absolutos, tão ao gosto dos economistas vulgares e gerentes de plantão, tanto na educação quanto em qualquer campo de análise que se queira, é quase sempre uma fuga ao método científico, uma maneira de falsear a realidade simplesmente porque joga fora aquilo que há de essencial, isto é, a qualidade de um dado fenômeno que se queira analisar. Vejamos.

Em primeiro lugar, o índice compara e iguala, para efeitos numéricos, a educação pública com a privada. Isto, sabemos, somente pode ser digno de um absurdo. Equivale, na realidade, a distorcer a realidade uma vez que toda criança sabe muito bem o abismo que separa uma da outra. Outra questão, esta referente ao método, é o fato de se tomar como ponto de apoio para o cálculo os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica e a Prova Brasil acrescidos aos dados de aprovação escolar fornecidos pelo Censo Escolar, EDUCENSO.

Quanto às referidas provas, além do nível exigido ser bastante questionável, limitam-se às disciplinas de português e matemática, passando longe de abranger o conjunto de conhecimentos aos quais as crianças e jovens possuem direito a ter acesso; quanto a tomar por referência os índices de aprovação escolar, aferidos pelo EDUCACENSO, é algo ainda mais grave: sabemos que em não poucos municípios brasileiros rege a famigerada aprovação automática, muitas vezes maquiada com chamados “ciclos de aprendizagem”. Tomar tais índices genéricos de aprendizagem, per si, não só legitima tais práticas como inclusive seduz a que as secretarias de educação os tomem como regra, a fim de mascarar os números a favor dos interesses locais, tanto de verbas como eleitorais. E não é só isso.

Infra_estrutura_no__considerada_como_critrio_pelo_IDEB Para qualquer pesquisador rigoroso, a qualidade do ensino só pode ser medida, em primeiro lugar, pelas relações de trabalho/ensino vigentes nas escolas, fruto de uma correlação entre infra-estrutura e apoio às atividades docentes-discentes. E é precisamente isso que fica de fora do cálculo governamental. Como bem pondera o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, "O Ideb é um termômetro que revela se o aluno está ou não assimilando informações fornecidas pelo sistema educacional, mas não considera aspectos que têm impacto sobre a qualidade, como a valorização dos profissionais e a infra-estrutura". (1)

Tal critério levou ao grotesco fato, por exemplo, de que uma escola aonde os alunos têm aulas em containeres, chamada por professores e alunos “escola de lata”, obtivesse um dos melhores índices do Rio Grande do Sul. Trata-se da Escola Estadual Ismael Chaves Barcellos, localizada no bairro Galópolis, em Caixas do Sul. (2)

E é, não há dúvida, através da comparação dos índices globais com a realidade local e regional que a falsidade dos índices oficiais salta à vista. O absurdo estatístico é evidente, ao observarmos que o todo não é absolutamente retrato do que são cada uma das suas partes.
Como pode elevar-se o índice nacional quando a maioria dos Estados está abaixo dele?

Essa é uma pergunta que impõe-se por si. Em todas as três fases avaliadas pelo índice (4ª série/5º ano e 8ª série/9º ano do fundamental e 3º ano do ensino médio), pelo menos 16 dos 27 Estados brasileiros estão fora da média nacional de desempenho. No ensino médio apenas 11 estados estão dentro da média nacional. (3). O que significa isso, além da constatação da imensa desigualdade regional que assola como uma chaga nosso país, senão a mentira dos índices comemorados pelo governo e o erro que é toma-los como critério científico, tal como ocorre com a renda per capita para aferir a realidade de um dado país?

Enquanto São Paulo e Santa Catarina ostentam média nacional de 4,5 Alagoas registra média de 2,9, ou seja, menos da metade do índice 6 tido como padrão internacional de boa qualidade. Aliás, somente 0,09% dos municípios brasileiros (cinco entre 5.498) atingiram a nota 6 nos anos finais do ensino fundamental em escolas públicas!

O Censo Agropecuário de 2006, divulgado recentemente pelo IBGE, aponta a existência de 4,6 milhões de analfabetos no campo brasileiro, ou seja, 35, 7% do total de trabalhadores considerados “ocupados”, mesmo considerando a profunda deturpação desse índice pelos órgãos oficiais. Como publicamos em matéria no Jornal Estudantes do Povo nº 12, segundo o Instituto Nacional do Analfabetismo Funcional (INAF) o analfabetismo funcional atinge cerca de 68% da população brasileira o que, somado aos 7% que são considerados totalmente analfabetos, resulta em 75% da população de nosso país.

Mas não é apenas a desigualdade regional o que salta à vista. É também a disparidade entre o ensino público e privado. As provas do SAEB, um dos componentes do IDEB, possuem escala e grau de dificuldade comum a todas as séries, o que permite a comparação de alunos de diferentes anos. Comparação feita constatou-se que, ao concluir o ensino médio, os alunos da rede pública de ensino possuem índice de rendimento inferior aos que concluem o ensino fundamental na rede privada, ou seja, na comparação genérica entre rede pública e privada aponta-se para uma defasagem de três anos daquela em relação a esta! (4)

Não obstante esses números, que jogam luz sobre os métodos nada científicos dos estatísticos do governo, há quem diga que o simples fato do MEC possibilitar a publicação de índices comparativos, que sirvam como parâmetro nacional, já é um importante passo. Mas aí nos perguntamos: para que, afinal de contas, têm servido tais índices, deturpados em suas nove décimas partes?
Índices de desenvolvimento ou ranking’s para investimento?

Na realidade, a disseminação de ranking’s em todas as esferas do ensino do País, e não só do ensino aliás, têm como principal objetivo o rankeamento para fins de comparação de mercado, por um lado, e a obtenção de melhor colocação junto às estatísticas internacionais, melhor qualificando a “mão-de-obra” brasileira com o objetivo de atrair os monopólios estrangeiros e seduzi-los com o miserável salário pago aos trabalhadores de nosso país, por outro.

Ora, é comum vermos universidades particulares quase que obrigando seus alunos a fazerem cursinhos especiais para o ENADE, e vinculando a nota obtida no mesmo em campanhas publicitárias.

E mesmo se tomarmos os ranking’s internacionais como parâmetro, a posição do Brasil nos mesmos é vexatória: quase ao mesmo tempo que louvava o resultado geral do IDEB 2009, o governo teve de amargar a perda de 12 posições no Índice de Desenvolvimento Educacional da Unesco, aonde o Brasil ocupa, dentre 128 países, o 88º lugar. Com isso, o IDE (Índice de Desenvolvimento Educacional) do Brasil, caiu de 0,901 para 0,883 em uma escala de 0 a 1, o menor entre todos os países do Mercosul. (5)

A diferença mais gritante aqui, que se impõe a quem queira ver, está na publicidade que acompanhou a divulgação de uma e de outra estatística.
O ensino de um país semicolonial:

No_Rio_que_teve_baixo_ndice_no_IDEB_a_polcia_militar_aopnta_arma_para_professores_durante_manifestao_por_melhores_condies_de_trabalho Na realidade as estatísticas oficiais, seja no campo do ensino mas também no da economia, da demografia e todos os demais, pecam porque se pautam no particular, nos números absolutos, não podendo admitir o sentido da realidade, para onde ela aponta, quais são os seus atores, em suma, não podem ver o processo no seu conjunto porque daí implicam soluções de conjunto, ou seja, a refutação da miserável ordem vigente. Por isso, por trás de cada estatística divulgada pelo velho Estado, repousa uma tentativa de falsear a realidade, e devemos nos exercitar no intento de desnudar essas tentativas.

O que estatística oficial nenhuma pode dizer ou admitir é que somos um país dominado pelo imperialismo, portanto semicolonial, com fortes traços semifeudais na nossa economia. Ora, como seria possível entender o caráter do ensino no nosso país senão que em relação com a realidade que o condiciona?

Temos visto a campanha pelo enxugamento das matérias chamadas vulgarmente “humanidades” nos currículos dos ensinos médio e básico e a proliferação do ensino técnico que forma meros “apertadores de parafusos”. Tem sido grande a gritaria, também, de muitos “economistas” (na verdade, meros repetidores da apologética imperialista) no sentido de que o Brasil “forma poucos engenheiros”, e de que mais cursos na área de “tecnologia” devem ser criados. Tudo isso, segundo dizem, como alavanca do “crescimento econômico”, eufemismo utilizado para falar em rapinagem do nosso país pelos monopólios estrangeiros. Na realidade, a lógica é uma só: disponibilizar mão-de-obra relativamente especializada farta e barata ao “mercado”. Dizemos relativamente porque, uma vez que as transnacionais que aqui se instalam não agregam conhecimento científico ao País, aos brasileiros formados no ensino superior bastam conhecimentos rudimentares na aplicação destas tecnologias vindas desde fora.

Essa condição de país semicolonial, e conseqüentemente de um ensino voltado não à produção de autêntico conhecimento científico, fica clara ao comparar o investimento estatal médio, por estudante de pós-graduação, do Estado brasileiro com o efetivado por outros países: enquanto a média dos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de US$ 3.765, o gasto em P&D por aluno no Brasil é de US$227! (6) A Suíça, por exemplo, gasta US$ 9.447 por aluno em pós-graduação. Ora, o que é isso, senão que a economia brasileira calca-se na completa desnacionalização e está inteiramente dominada pelos monopólios estrangeiros, que aqui vêm sugar nossos recursos naturais e nossos trabalhadores, ao passo que a tecnologia empregada na produção vem pronta desde as metrópoles, para onde também é remetido todo o lucro obtido no País?

Eludir essas questões, não responde-las, significa a não responder coisa alguma. Devemos dizer que é pura demagogia falar em “revolução pela educação”, uma demagogia sem limites. Na realidade transformar o ensino em nosso país, de modo radical, coloca-lo à serviço do povo e do desenvolvimento nacional, é parte da demanda democrático-nacional nunca completada em nosso país, pelo simples fato de que nunca houve um processo revolucionário de fato no Brasil, que rompesse com o imperialismo e as bases podres do sistema latifundiário. A mobilização contra a crise crônica do ensino em nosso país, em todos os níveis, somente pode ser entendida como parte da mobilização por transformações mais amplas e radicais em toda a estrutura de classes de nossa sociedade, na derrocada desse capitalismo burocrático atrelado ao imperialismo e seu sistema de poder.

Isso, é evidente, nem os burocratas do MEC e nem muitos "críticos à esquerda" do governo podem entender. E se entendem, não poderão jamais reconhecer.

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